terça-feira, 13 de novembro de 2012

Peri Gomes Feio, o poeta que o povo esqueceu

          Cristóvam Dutra Martins, advogado provisionado, ex-prefeito de Vitória do Mearim, já falecido, era admirador incondicional dos grandes poetas brasileiros. Destes, recitava poemas inteiros sem esquecer uma palavra. Dos seus prediletos, ele sempre recitava “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos, e sempre fazia confusão com a autoria do soneto “Samaritana”, de Vespasiano Ramos, que ele atribuía a Peri Gomes Feio, provavelmente porque Peri - o mais sofrido e martirizado de todos os poetas brasileiros - andou sem descanso por estas paragens do Mearim, carregando seu sofrimento com resignação, lembrando, em sua dor, o sofrer do andarilho dos versos de Vespasiano: “Venho, de longe, trêmulo, bater,/à vossa humilde e plácida cabana/ pedindo alívio para o meu viver”. Nascido em Rosário - MA, em 04.08.1909, e falecido em São Luís, em data indeterminada, Peri Gomes Feio era excelente poeta e orador. Um artista na verdadeira acepção da palavra.
         Mas Peri sofria do mal-de-lázaro, doença perigosa, que não tinha cura e que causava verdadeiro pavor, pela facilidade do seu contágio. No período em que Peri Gomes Feio esteve em Vitória do Mearim (1955), os leprosos eram estigmatizados ao extremo. E não exagero ao dizer que, um pouco antes, quando morriam, não eram enterrados no mesmo cemitério em que se enterravam as pessoas comuns da cidade. Seus pertences eram queimados e o local onde eles moravam (geralmente afastado e ermo) era expurgado com sal, apagando-se para sempre a lembrança dos mesmos da memória dos vivos. Peri era um homem deformado fisicamente. A terrível doença destruíra-lhe todos os dedos das mãos e dos pés. Seu corpo, ulcerado e malcheiroso, causava repugnância às pessoas. Cristóvam Dutra Martins conheceu Peri Gomes Feio nesse ano, durante os festejos da padroeira de Vitória do Mearim. O poeta chegara naquela manhã de setembro, proveniente de São Luís, quando os fiéis católicos deixavam a igreja, após terem assistido a Santa Missa.
          O poeta, montado no jumento que o conduzira pela dificílima estrada maranhense, encontrava-se à frente da igreja, provavelmente rogando à Virgem de Nazaré um pouco de “alívio” para seu viver. Ao verem-no em condições totalmente deploráveis, as roupas desgrenhadas, manchadas com a secreção fétida que fluía das suas feridas, as pessoas logo se afastaram aterrorizadas. O poeta notara a repulsa dos vitorienses. E, pacientemente, desceu do seu jumento, subiu na calçada da igreja com dificuldade, e, como um líder iluminado pelo dom da palavra, proferiu um comovente discurso, que falava da sua dor, da sua solidão e tristeza, da sua infortunada e miserável vida. As pessoas, que deixavam o local, se aproximaram para ouvi-lo, como se, de repente, a lepra, que causava repulsa, não existisse mais no corpo ulcerado do poeta. Muitos derramaram lágrimas de pesar ao ouvirem-no falar, e até jogaram esmolas para o vate miserável. Depois disto, ele montou novamente em seu jumento, deixando os moradores de Vitória em verdadeiro estado de comoção.
        Cristóvam Dutra Martins intensificou sincera relação de amizade com o poeta durante o ano de 1955, em São Luís, indo, por diversas vezes, visitá-lo no Bonfim, local onde os leprosos da capital maranhense viviam recolhidos. Em janeiro de 1956, o jornal O Mearim em Folha, órgão oficial de divulgação da União Vitoriense dos Estudantes, edição nº 01 (São Luís - MA.), publica uma nota, com os seguintes dizeres: “Avisamos aos leitores de “O Mearim em Folha” e, especialmente, àqueles que tomaram assinatura do livro ”FARRAPO’”, da autoria de IUSSERIP, poeta homiziado no Bonfim, que por todo este mês de fevereiro este livro literário sairá do prelo. Agradecemos a boa vontade daqueles que, reconhecendo a necessidade de um doente, o qual não obstante, possui uma alma limpa, sadia e iluminada, - alma de poeta, adquiriram uma assinatura do seu livro (...)”.
         Como vimos, parece que os editores do jornal queriam esconder a identidade do poeta, usando a palavra IUSSERIP, como se ele carregasse no próprio nome a doença que trazia no corpo.
        Cristóvam Dutra Martins, o prefeito que adorava poesia e fazia confusão quando tinha que citar autores, dizia-me, ao referir-se a Peri Gomes Feio, que ele havia cumprido sua missão naquela manhã de setembro em que visitara Vitória do Mearim, ao dizer, em seu discurso, que o preconceito era a verdadeira e mais cruel de todas as lepras, pois destruía a humanidade de forma implacável, tornando-a tão perversa e deformada que dificilmente alguém conseguia ver-lhe a própria alma.
         Do poeta Peri Gomes Feio, o Maranhão pouco sabe. O que ele publicou - na verdade, testamento contundente e sem fingimento de dores e de saudades por ele realmente vivenciadas - ficou esquecido até hoje. Seus versos não são lembrados. E sua figura, deformada pela doença que o afligia, parece que foi eliminada para sempre da memória das pessoas que o conheceram. Que pena! (ARIMATEA COELHO)

3 comentários:

  1. Arimatéa,Obrigada por este artigo! trabalho na Colonia do Bomfim atual Hospital Aquiles Lisboa, e tenho interesse em conhecer mais sobre Peri Gomes Feio...vem nos fazer uma vista aqui no Memorial Domingas Borges? 3242-6900.

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    1. Gostaria de visitar o memorial, tenho feito pesquisas muito importantes sobre a colônia e o seu início.

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  2. Nós rosarienses conhecemos muito pouco da historia de Peri Gomes Feio

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